O cenário financeiro global tem testemunhado uma transformação sem precedentes com a ascensão dos criptoativos. O que antes era um nicho para entusiastas da tecnologia, hoje se consolidou como um mercado bilionário, atraindo investidores e movimentando uma parcela significativa da economia. No Brasil, essa realidade não é diferente, com um número crescente de pessoas e empresas aderindo às moedas digitais. No entanto, o rápido desenvolvimento desse setor trouxe consigo desafios complexos para o sistema jurídico, especialmente no que tange à execução de dívidas e ao cumprimento de decisões judiciais. A natureza descentralizada e muitas vezes pseudônima dos criptoativos dificultava o rastreamento e o bloqueio de bens, criando uma lacuna que impedia a efetividade da justiça em casos envolvendo devedores com patrimônio digital.
Diante desse panorama, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu um passo fundamental para o Judiciário brasileiro: em agosto de 2025, foi oficialmente lançado o CriptoJud, um sistema inspirado em ferramentas já consolidadas e criado como resposta direta à necessidade de mecanismos eficazes para o rastreamento, bloqueio e penhora de criptoativos de devedores em processos judiciais.
O que é o CriptoJud?
O CriptoJud é um sistema eletrônico criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para modernizar o cumprimento de ordens judiciais envolvendo criptoativos. A ferramenta permite rastrear, bloquear e, futuramente, penhorar ativos digitais de devedores em processos judiciais preenchendo uma lacuna importante na atuação do Judiciário frente ao avanço do mercado cripto.
Inspirado em soluções já consolidadas, como o SisbaJud, o CriptoJud adapta a lógica de bloqueio automatizado do sistema financeiro tradicional para o universo descentralizado dos criptoativos. Seu desenvolvimento contou com o apoio técnico da Abcripto, garantindo que a solução fosse compatível com as particularidades desse ecossistema.
Ao viabilizar a indisponibilidade de ativos digitais, o CriptoJud fortalece a efetividade das decisões judiciais, mesmo quando o patrimônio está em formato cripto.
Como o CriptoJud Funciona?
Antes de sua implementação, a busca e o bloqueio de criptoativos exigiam que os magistrados enviassem ofícios individuais a cada corretora de criptomoedas (exchange) para verificar a existência de ativos em nome de um devedor. Com o CriptoJud, essa dinâmica é completamente alterada, as ordens judiciais, que antes eram expedidas de forma descentralizada, agora são concentradas em um único ambiente eletrônico. Isso permite que o Judiciário acesse simultaneamente diversas exchanges com sede no Brasil, agilizando o processo de consulta sobre a titularidade de criptoativos e o envio de ordens de bloqueio. A ferramenta mantém um histórico auditável de todas as consultas e ações realizadas, o que garante transparência e controle para juízes e partes envolvidas.
O funcionamento do CriptoJud está estruturado em três etapas principais, com o objetivo de tornar a execução judicial envolvendo criptoativos tão eficiente quanto a de bens mantidos no sistema financeiro tradicional:
- Localização e bloqueio: Nesta fase já em operação, o sistema automatiza o envio de ordens judiciais para exchanges com sede no Brasil, permitindo a identificação ágil e o bloqueio de criptoativos em nome de devedores. A proposta é equiparar a efetividade dessa busca àquela realizada em contas bancárias.
- Custódia: Em uma segunda etapa, o CriptoJud passará a contar com infraestrutura própria para a guarda dos criptoativos bloqueados. Os ativos serão transferidos para carteiras digitais sob responsabilidade do Judiciário, assegurando proteção e integridade durante o trâmite dos processos.
- Liquidação: A fase final prevê a conversão dos criptoativos em moeda fiduciária, viabilizando o repasse dos valores para o pagamento das dívidas reconhecidas judicialmente. Essa etapa encerra o ciclo da execução e garante a efetividade da medida.
O CriptoJud está integrado à Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ-Br) e ao portal Jus.br, o que facilita sua interoperabilidade com os sistemas já utilizados por magistrados e servidores em todo o país. Inicialmente, sua atuação se restringe a criptoativos mantidos por exchanges com sede e operação no Brasil.
Implicações Jurídicas e Regulatórias
A criação do CriptoJud está diretamente ligada ao reconhecimento jurídico de que os criptoativos integram o patrimônio do devedor. Em fevereiro de 2025, no julgamento do Recurso Especial nº 2.127.038/SP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que as criptomoedas possuem valor econômico e podem ser penhoradas em processos de execução.
A decisão do STJ legitimou a expedição de ofícios para exchanges e autorizou o uso de medidas investigativas para localizar e bloquear criptoativos, inclusive em carteiras digitais, quando houver requerimento da parte credora. Essa jurisprudência foi fundamental para assegurar a base legal necessária ao funcionamento de mecanismos como o CriptoJud.
Embora o Código de Processo Civil (CPC) ainda não trate expressamente da penhora de criptoativos, o artigo 789 estabelece um princípio claro: o devedor responde por suas obrigações com todos os seus bens, presentes e futuros o que, no contexto atual, abrange também os ativos digitais.
Conclusão
O lançamento do CriptoJud representa um marco importante no processo de modernização do sistema judiciário brasileiro diante da crescente digitalização da economia. Embora, inicialmente, sua atuação esteja limitada às exchanges com sede no Brasil, o sistema inaugura uma nova etapa de integração entre tecnologia e justiça.
O desafio agora é garantir que essa iniciativa evolua na mesma velocidade do mercado de criptoativos, com atualizações constantes, maior abrangência e integração com soluções internacionais. A inovação deve ser vista não como um obstáculo, mas como uma aliada na construção de um ambiente regulatório mais seguro, transparente e funcional.
Mais do que um sistema de bloqueio, o CriptoJud simboliza o compromisso institucional com o equilíbrio entre segurança jurídica e incentivo à inovação.