A regulamentação do mercado de ativos virtuais tem avançado de forma significativa no cenário global, impulsionada pela necessidade de mitigar riscos e estabelecer diretrizes claras frente à crescente adoção dessas tecnologias. No Brasil, a discussão sobre a regulação das stablecoins ganhou força com a apresentação do Projeto de Lei 4.308/2024, de autoria do Deputado Federal Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ).

Embora represente um avanço importante, o texto legislativo exige ajustes técnicos e conceituais para garantir eficácia, segurança jurídica e alinhamento com marcos legais já existentes, como a Lei nº 14.478/2022, que estrutura o mercado de ativos virtuais no país.

Stablecoins em ascensão no Brasil

As stablecoins têm ganhado espaço como instrumento financeiro de estabilidade, liquidez e utilidade. Dados da Receita Federal mostram que, em 2024, os brasileiros movimentaram cerca de R$ 210 bilhões apenas em USDT, o que representa mais de 65% do total de criptoativos declarados no país. Essa adoção crescente evidencia a necessidade de um arcabouço regulatório sólido e adaptável.

Principais fragilidades do PL 4.308/2024

  • Conceito impreciso de stablecoin: O projeto não diferencia ativos com lastro fiduciário, colateralizados ou algorítmicos, o que pode gerar insegurança jurídica e interpretação restritiva.
  • Risco de sobreposição legal: O PL cria um novo regime legal em vez de complementar a Lei nº 14.478/2022, violando o princípio da unicidade normativa previsto na LC nº 95/1998.
  • Engessamento técnico: Exige definições operacionais que deveriam ser delegadas ao Banco Central, como regras de emissão, resgate e garantias, dificultando a adaptação futura.
  • Responsabilização penal de pessoas jurídicas: O texto prevê penas que são juridicamente incompatíveis com a Constituição, o que pode inviabilizar sua aplicação.
  • Foco limitado em riscos cibernéticos: A responsabilidade é atribuída apenas às emissoras, sem envolver custodiantes, intermediários ou demais players relevantes do ecossistema.

A importância da liderança do Banco Central

O Decreto nº 11.563/2023 atribuiu ao Banco Central do Brasil a competência regulatória sobre prestadores de serviços de ativos virtuais. Assim, é fundamental que qualquer legislação respeite essa atribuição técnica, limitando-se à definição de princípios gerais, e permitindo que o BC desenvolva normas infralegais dinâmicas, compatíveis com a velocidade de inovação do setor.

Recomendações para aprimoramento

  • Revisar o conceito legal de stablecoin, diferenciando modelos e lastros.
  • Evitar a criação de uma lei paralela e promover ajustes diretamente na Lei 14.478/2022.
  • Delegar ao Banco Central a regulamentação técnica de requisitos prudenciais e operacionais.
  • Eliminar dispositivos penais incompatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro.
  • Ampliar a responsabilidade de gestão de riscos cibernéticos para todo o ecossistema de ativos virtuais.

O Brasil tem uma oportunidade histórica de liderar a construção de um modelo regulatório de stablecoins que seja moderno, seguro e flexível. Para isso, é essencial que o processo legislativo caminhe em diálogo constante com o setor e preserve o protagonismo técnico das autoridades reguladoras.